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  • Pedro Peixoto

O prazer de falar noutro idioma

Todos os dias falamos. Na verdade, conversamos com imensa gente, até com nós próprios ou com objetos inanimados, principalmente quando se trata de um produto da tecnologia humana, mas estamos sempre a falar. Os nossos pensamentos estão repletos de palavras que dão sentido à realidade a que pertencemos e é através delas que interagimos com essa mesma realidade.


Sem o verbo, a nossa relação com o mundo seria muito diferente. No entanto, nem todos nós o dominamos da mesma forma: há quem tenha um vocabulário mais amplo, tenha um talento oratório especial ou quem seja até capaz de expressar em verso o que a maioria não consegue em prosa. O prazer da comunicação humana também é díspar, abrindo espaço para os mais extrovertidos de nós, para os mais contidos, aqueles que preferem ouvir e apreciar o silêncio quando falam por falar.

 

Mas o que acontece quando medimos esse prazer em diferentes idiomas? Ao falar na sua própria língua com o sotaque que a sua geografia lhe conferiu em conjunto com o seu ambiente sociofamiliar, será possível perceber a beleza da própria fala? Ou, por outro lado, o aluno que vai aprimorando gradualmente as suas competências num novo idioma, que sensações tem ao expressar a sua intimidade em sons que até então não eram seus? Talvez seja melhor exemplificar: para muitos, a língua italiana possui certas características que a tornam muito agradável ao ouvido: as vogais longas, a profusão do «i», a melodia típica de falar com gestos. Para o italiano nativo, talvez seja simplesmente a sua língua. Vive com ela desde que se lembra, acorda e vai dormir pensando nela, dá sentido à sua identidade pessoal com aquela linguagem que é tão sua. Para eles, não soa igual às outras línguas, algo semelhante ao que acontece com quem não fala alemão e diz que Angela Merkel sempre pareceu zangada e é uma pessoa dura. Os alemães podem concordar, mas não por causa da questão linguística.


No segundo caso, o prazer é descoberto. Soltando as amarras da linguagem veicular, quem aprende um novo idioma experimenta sons e significados novos, uma forma de se expressar que antes não existia, uma nova sensação que lhe permite ser mais ao ganhar mais ferramentas para comunicar. E as palavras ganham corpo: «placer» ganhar prazer, «touch» ganha toque, «merci» é mais gracioso que «danke». A dimensão da comunicação já não se baseia apenas na sua utilidade, mas incorpora também o elemento do gosto e da beleza, do prazer pela forma como a palavra se forma na boca e acaricia os nossos ouvidos, acrescentando o significado extra que a mera aglomeração de letras não consegue transmitir. A linguagem é, simplesmente, outro sinónimo de prazer.

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